Startup norte-americana aposta em avião de “asa voadora” para concorrer com Airbus e Boeing

Uma startup norte-americana está a desenvolver um avião comercial radicalmente diferente dos modelos atuais, baseado num conceito de “asa voadora”, e acaba de revelar o seu primeiro cliente no setor da aviação comercial.

Pedro Gonçalves
Dezembro 18, 2025
15:39

Uma startup norte-americana está a desenvolver um avião comercial radicalmente diferente dos modelos atuais, baseado num conceito de “asa voadora”, e acaba de revelar o seu primeiro cliente no setor da aviação comercial. A Natilus, empresa sediada na Califórnia, anunciou que a companhia aérea indiana SpiceJet vai encomendar até 100 unidades do seu novo avião Horizon, um aparelho concebido para competir diretamente com os modelos mais vendidos da Airbus e da Boeing.

O Horizon assenta num design conhecido como blended-wing body (BWB), no qual a fuselagem tradicional é eliminada e a cabine de passageiros é integrada numa única asa de grandes dimensões. Segundo a empresa, este conceito permite ganhos significativos de eficiência, maior espaço interior e uma redução substancial das emissões poluentes.

SpiceJet torna-se o primeiro cliente internacional do Horizon
O anúncio foi feito esta quarta-feira pela Natilus, que revelou que a encomenda da SpiceJet está dependente da certificação final do Horizon pelas autoridades aeronáuticas indianas. A transportadora comprometeu-se a apoiar a startup no processo regulatório na Índia, um mercado que a Natilus considera estratégico.

Para sustentar a sua aposta no país, a empresa planeia também recorrer a fornecedores indianos para a produção de componentes e criou uma subsidiária local, a Natilus India, com sede em Bombaim, destinada a apoiar as operações e a expansão na região.

Esta é a primeira encomenda internacional tornada pública para a versão de passageiros do Horizon. A Natilus indicou que a sua carteira total de encomendas comerciais, que inclui também a versão de carga do avião, denominada Kona, ultrapassa atualmente as 570 unidades, avaliadas em cerca de 25 mil milhões de dólares, após o acordo com a SpiceJet.

Um mercado em forte crescimento motiva a aposta na Índia
O presidente executivo da Natilus, Aleksey Matyushev, justificou a escolha da Índia com o rápido crescimento do setor da aviação no país, afirmando acreditar que o mercado indiano terá um défice de cerca de 2.200 aeronaves até 2040. Segundo dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), a Índia é atualmente o quinto maior mercado de aviação do mundo, tendo registado cerca de 211 milhões de passageiros em 2024, o que representa um crescimento anual de aproximadamente 11%.

Para Matyushev, este contexto cria uma oportunidade para a introdução de aeronaves de nova geração capazes de responder à procura, reduzindo simultaneamente custos operacionais e impacto ambiental.

Eficiência superior e custos operacionais mais baixos
De acordo com declarações anteriores do CEO à Business Insider, o design do Horizon permite gerar sustentação numa área muito maior do que os aviões convencionais, o que se traduz numa redução do consumo de combustível em cerca de 30% e numa diminuição dos custos operacionais em aproximadamente 50%, quando comparado com aeronaves de dimensão semelhante, como o Boeing 737 ou o Airbus A320.

O Horizon poderá transportar até 240 passageiros numa configuração de alta densidade e foi concebido para operar a partir da infraestrutura aeroportuária existente. Graças à sua largura, oferece cerca de mais 40% de espaço interior do que os aviões tradicionais, abrindo caminho a configurações de cabine inovadoras.

Cabines com novos conceitos de espaço e conforto
A Natilus defende que o espaço adicional permite criar zonas que não existem nos aviões atuais, como lounges, áreas de lazer para crianças ou cápsulas de privacidade. Imagens divulgadas pela empresa mostram uma cabine de classe executiva futurista, corredores múltiplos na classe económica — podendo chegar a três — e zonas dedicadas à privacidade dos passageiros.

Segundo Matyushev, estas características permitem repensar por completo a experiência de voo, oferecendo maior flexibilidade às companhias aéreas na forma como organizam o interior da aeronave.

Apesar das vantagens apontadas, o conceito BWB levanta desafios técnicos e de conforto. O presidente executivo da Airbus, Guillaume Faury, afirmou recentemente que este tipo de avião representa o futuro da aviação comercial, mas alertou que a estrutura curva pode limitar a existência de janelas, o que poderia reduzir a luz natural, provocar desorientação e aumentar a sensação de claustrofobia entre os passageiros.

Matyushev confirmou que o Horizon terá janelas e explicou que, para os passageiros sentados no centro da cabine, a empresa está a desenvolver claraboias e soluções avançadas de iluminação destinadas a simular a luz exterior. Garantiu ainda que o avião cumprirá e superará todos os requisitos de segurança exigidos para a certificação comercial.

A largura da cabine coloca também desafios adicionais em situações de evacuação de emergência, uma vez que alguns passageiros estarão mais afastados das saídas e a tripulação terá menor visibilidade do exterior. A Natilus assegura, no entanto, que estas questões estão a ser tratadas desde as fases iniciais do projeto.

Um conceito antigo que ainda aguarda certificação comercial
Embora inovador no contexto da aviação comercial, o conceito de blended-wing body não é novo. Tem sido utilizado há décadas em aeronaves militares norte-americanas, como o bombardeiro furtivo B-2 Spirit, e foi estudado por entidades como a Airbus, a NASA, a Lockheed Martin e a Boeing.

Vários protótipos à escala já voaram, mas até hoje nenhum avião BWB de tamanho real foi certificado para transporte comercial de passageiros.

A Natilus não está sozinha nesta corrida. A Airbus tem vindo a testar aeronaves BWB no âmbito do programa ZEROe, que visa desenvolver aviões sem emissões, alimentados a hidrogénio. Um demonstrador voou em 2019, mas o projeto sofreu atrasos significativos e já não deverá avançar antes da década de 2040.

Outra startup da Califórnia, a JetZero, está a desenvolver um avião BWB para cerca de 250 passageiros, o modelo Z4, cuja entrada em serviço está prevista para o início da década de 2030. A empresa promete uma redução do consumo de combustível até 50% e aponta o Z4 como substituto de aviões como o Boeing 767 ou o Airbus A330.

O braço de capital de risco da United Airlines já manifestou a intenção de encomendar até 200 unidades do Z4. O diretor-geral Andrew Chang descreveu este conceito como um “salão no céu”, defendendo que todo o processo de embarque, serviço a bordo e experiência do passageiro pode ser reinventado a partir deste novo espaço.

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